Ave mulher tomada de graça, é hoje sua grande noite. Mas antes, precisará dedicar algum tempo para si. Mergulhar no melhor banho do mundo, um quase-cerimonial de quem está se preparando para alguém.
Tão importante quanto o batismo do corpo é a escolha da roupa. Uma roupa na medida de suas intenções – que são, claro, as melhores. É disso que ela precisa: algo que faça o gentil favor de valorizar o que Deus lhe deu de melhor, e que com certo esforço, mantém.
Preferindo deixar o cheiro de banho e hidratante confundindo-se ao seu aroma natural, dispensa o perfume importado e vai logo cuidar da maquiagem. Disfarça o cansaço do extenuante dia de trabalho com um pouco de corretivo e base. Dá cor aos olhos caídos e pinta um sorriso vermelho na boca miúda.
Enfeita pescoço e orelhas com pratas. Calça scarpin, solta o cabelo e desfila para o espelho: de cá pra lá, de lá pra cá. Uma voltinha e torna-se uma nova mulher. Ainda a mesma pessoa, só que com uma autoestima invejável e bem, bem mais interessante. “O que um bom salto e algumas cores não fazem pela gente” - ela pensa. E sorri.
Procura o celular na bolsa. Respira fundo e sentindo-se linda, liga pra ele. Enquanto aguarda a ligação que chama, chama, chama , para em frente ao espelho e brinca com algumas caras, experimentando olhares e bocas. Ele atende e ela já não presta mais atenção em si.
Do outro lado da linha só lembra-se de ter ouvido “não dá mais”. É isso mesmo, ela levou um fora. Ela foi dispensada no dia que esteve mais linda. No dia em que voltou a se sentir mulher. Havia chegado a imaginar ele lhe falando ao ouvido, de maneira igual a que o ator falava à atriz do último filme que assistiu (que a essa altura e nessas circunstâncias já nem recordava nomes). Chegou a imaginar ele lhe falando que naquela noite, ela era a mais linda de todas. Mas isso foi bem antes. Agora ela era uma mulher que não teria sexo, que estava completamente produzida e que levara um pé na bunda em pleno sábado à noite.
Bem que poderia sair por aí, encher a cara e arrumar um outro homem. Só que dessa vez, quem brincaria seria ela. Um homem para usar um pouco, igual aconteceu com ela. Desses assim, que como qualquer ser humano é mais ou-menos-descartável, mais-ou-menos-gente. Alguém em quem, com franca vingança, desse um pé na bunda. Tão doído quanto o que levou.
Mas não o fez. Até poderia ter alguma graça, mas a de verdade já havia sido perdida. Fez o que devia ser feito: livrou-se do que antes parecia belo e que agora passava a perturbação. Em direção ao quarto desfez-se do vestido, meias e sapatos. Escolheu a melhor roupa para a ocasião: uma camiseta velha e surrada. Buscou um punhado de algodão novo onde derramou demaquilante e deu jeito de tirar o vermelho da boca miúda e as cores dos olhos caídos.
Voltando a sentir-se ela mesma, jogou ao chão as almofadas que estavam sobre a cama e que agora cediam espaço ao seu corpo. Puxou o lençol macio e empurrou para longe o segundo travesseiro. Apagou a luz e fez amor sozinha.
Adoreiiii o texto...
ResponderExcluirDa uma forcinha ai...
http://renata-vcpodetudo.blogspot.com
Bom dia Gabriela... boa crônica, os relatos do cotidiano me parecem ser reveladores da alma humana, por isso sempre me chama a atenção!! Tenha um ótimo fim-de-semana e muita paz, abraço!!!!
ResponderExcluirTexto forte, o cotidiano transformado em arte!
ResponderExcluirbah ... a inconstância e o amor próprio são defesas de quem ama!
ResponderExcluirbjs
Uau.
ResponderExcluirMas acho que ela deveria ter escolhido a primeira opção.
Abraços.
Oxe, fiquei com pena dela. Tadinha, tava tão produzida.
ResponderExcluirMuito bom, Gabriela. Parabéns
ResponderExcluir"Apagou a luz e fez amor sozinha."
ResponderExcluirAdorei. E não sei se eu seria tão forte assim.
Queria aprender a ser.
[estreiei a fase de contos do tri buenas, se quiser confere lá!]
ResponderExcluirbjs
oi... gostei do blog... já estou seguindo...
ResponderExcluirtem um recurso novo [gadget] que mostra os seguidores do site... é uma boa forma de divugação...
adiciona no seu tb...
flws
Poxa, sempre que venho aqui fico encantada com teus textos. Lindos!
ResponderExcluirInterpretou com muita classe os pensamentos do sexo feminino.
ResponderExcluir;)
simples e belo. =)
ResponderExcluirMuito boa crônica Grabiela, bela e pequena polaróide feminina. Curiosamente escrevi algo bastante parecido a algumas semanas atrás, sendo minha visão, é óbvio, a face masculina desses pequenos atos de mulher.De novo, parabéns.
ResponderExcluirQuerendo conferir:
http://livroimaginario.blogspot.com/2008_11_01_archive.html