Querida Lú,
Vim escrever tão logo pude. E continuo fixada nessa ideia do
quanto uma paixão pode nos arremessar pra longe da gente. Apaixonar-se, Lú, não
é outra coisa se não um mar revolto e eu me encontro à deriva, em pavor
absoluto.
Que negócio é esse que vai dominando a gente? Numa noite
vamos pra cama vestindo pijama desbotado, totalmente descrentes do mundo para
dali algumas horas, sabe lá porque diabos, acordar dando bom dia até pra poste
mijado por cachorro de dondoca. Ah, Lú, é sério – se eu pudesse, francamente
escolher, não me apaixonaria. Não dá pra queimar etapas? Ir direto pra sei lá, esse
tal de amor? Dizem que amor é mais tranquilo, que é mais fácil de segurar a
onda. Se bem que amor pra mim é a imagem de vô e vó comendo biscoito com chá
numa tarde chuvosa qualquer – um quê de sépia e tédio misturados. Alguma doçura,
por suposto. Amor só parece verdadeiro se tiver força suficiente para ganhar a
eternidade.
Esqueci de como era lidar com isso. Assim que rolou de
acontecer entre mim e o Guto, me baguncei toda. É como se tivesse me
desaprendido. Até que passei a entender que todo recomeço é uma estreia e eu
não sou lá muito boa de improviso. Todo repertório amoroso vivido até aqui
serviu pra muito pouco quando os sujeitos são tão diferentes. A verdade é que eu
já também não sou mais a mesma.
Rezei durante muito tempo baixinho (quase que escondendo de
mim mesma) pelo diferente. Suplicava pelo novo em pensamento (quase que
escondendo de Deus). Vai que acontecesse mesmo de Deus existir e me conceder a
graça da desgraça de uma nova paixão?
Até consigo te enxergar agora rindo de mim. E me chamando de
dramática! Mas é ou não é uma desgraceira louca? Como é que faz quando acontece
da gente achar que paixão alimenta mais que açaí na tigela? Que faz salivar
mais que costelinha de porco ao molho barbecue do Outback? Tu já provou a
costelinha do Outback? Só não se engane - paixão faz tanto estrago quanto
McDonald’s. Bonitinho por fora, hidrogenado por dentro.
Talvez seja mesmo fome de paixão. Tá bem, Lú! É medo. Tenho
medo de viciar o paladar, o olfato e todos os demais sentidos. De buscar um só
cheiro entre o ombro e a orelha dele. De me certificar no segundo seguinte que
ainda caibo no seu abraço. De saber que posso contar com a firmeza das mãos e
seguir me apoiando nos braços para continuar em frente. Buscar sopros de luz na
ternura e na fome de seus beijos, de não saber desviar o olhar do sorriso largo
e daqueles dois olhos negros, doces e atentos.
Quero a liberdade de me entregar de forma irresponsável.
Porque perder a linha também é escolha. Não ter medo de abandonar o barco ao
primeiro sinal de naufrágio, ou melhor, ser valente para remar caso afunde. E
ter o fôlego de quem se gosta ao lado, boiando até alcançar terra firme. Mesmo
que na paixão, terra firme não exista.
Beijos apaixonados,
Val.
Nesta vida campo minado, a paixão é um passo no lugar errado.
ResponderExcluirGK
Nosso coração pulsa sempre em falso. :)
ExcluirToda paixão significa recomeço. Talvez a nossa experiência anterior nada signifique diante do novo. Sempre nos lançamos sem a menor cautela e, ainda assim, desejando a eternidade utópica.
ResponderExcluirMas vale à pena.
Abraços.
Verdade! E que delícia recomeçar...
ExcluirAbração.