O que é felicidade? Como e quando
ela se manifesta? Eu sou realmente feliz?
Esses são questionamentos que permeiam
a sociedade e tocam num ponto nevrálgico da nossa existência: a busca pela
realização pessoal, pelo bem-estar, pelo máximo aproveitamento da vida. São
perguntas que surgem diante de insatisfações de todos os gêneros e
intensidades, e até mesmo em momentos felizes, onde colocamos
à prova se é felicidade mesmo o que nos preenche naquele instante – como
se fosse quase impossível senti-la - ora felicidade, tão enigmática e que diante
das dificuldades mundanas chega a parecer inalcançável.
Existe em nós, uma sensação de
merecimento que tenta escantear as possíveis frustrações com as quais iremos,
inevitavelmente, nos deparar ao longo da vida. E assim, a felicidade nunca fora
tão discutida. Está nas capas de revistas e na mídia em geral, segue estampada
nos sorrisos largos e na vida bem-sucedida de seus amigos nas redes sociais,
nos check-ins nos lugares mais badalados da cidade, no simulacro da vida –
neste mundo ilusório e de aparências que vivemos, ocupa as salas de terapia e
vem tirando o sono e o sossego de muita gente.
Embora o fim seja o mesmo, os
meios de busca são diferentes. O entendimento de felicidade é universal, mas
ainda assim, ela é pessoal e intransferível - o que dá prazer a você pode significar
o mais completo tédio pra mim, e vice-versa. O ponto em comum é a sensação de
bem-estar. A próxima pergunta então seria: existe felicidade plena? Eu arrisco
a dizer que não. Pelo menos, não do modo como o nosso imaginário idealiza, com
a ausência da dor. Simplesmente porque vivemos de altos e baixos, sofremos
interferências externas, estamos expostos diariamente a acontecimentos que não
controlamos. Desconheço quem se sinta extraordinariamente bem 24 horas por dia.
Acredito é na construção e
reconhecimento da felicidade possível. Sem os mágicos “7 passos para uma vida
feliz”, mas na atenção diária, na percepção real sobre si mesmo e no olhar
atento sobre o outro, na descoberta do que preenche você, no que faz diferença
na sua vida, em quais pessoas você elege para serem suas companheiras de viagem. Em como ser feliz com o que se tem.
Possivelmente
fosse mais confortável, mas não há como
falar de felicidade sem citar a tristeza, sua irmã de caminhada. Acreditar em
sua ausência é fantasia das grandes e o caminho mais rápido para a frustração,
até porque tristeza não é anomalia, tristeza não é doença – reconhecer isso
ajuda a não temê-la. Desconfio que aceitar a existência da dor seja o meio mais
efetivo para usufruirmos os nossos momentos de prazer. É preciso, primeiro,
aprender a lidar com a tristeza. Se você nunca tivesse experimentado o
sofrimento como poderia ter certeza que está vivendo um momento de felicidade
quando o experimenta? Um complementa o outro.
Vivemos mergulhados na busca pela
felicidade, idealizando um estado de graça permanente. E é exatamente essa
superestimação, esse excesso de expectativas que cria dificuldades no seu
entendimento. Aliás, a felicidade nunca pareceu tão urgente - verdade o é que atingimos
os maiores índices de consumo de antidepressivos no Brasil, as chamadas pílulas
da felicidade – uma distorção inicial na forma de ação desses medicamentos.
Inversamente ao esperado, e digo
por experiência própria e por observação, a obsessão pela felicidade pode ter
efeito contrário e acabar causando angústia e ansiedade. Tanto que chegamos a
desconfiar quando nos sentimos felizes, parece material tão abstrato que
pensamos “estou mesmo sendo feliz nesse exato instante?”.
O meu convite a pensar é: será
que não estamos sendo deveras tiranos com nosso modo de viver? Exigindo além do
possível de nós mesmos? Será que não sabotamos nossa alegria de existir ao
comparar nossa vida com a de outras pessoas? Ao estipular metas inalcançáveis
para nos julgarmos então, felizes? Ter o carro do ano, fazer a tão sonhada
viagem, frequentar as melhores festas, emagrecer, estar sempre rodeado de
pessoas, fazer um curso fora, vestir roupas das melhores marcas, ter uma carreira brilhante e ainda
conseguir comparecer a todos os eventos de família são alguns exemplos. Muitas
vezes (ou na maioria das vezes) sem nos darmos conta, somos nós mesmos que
colocamos empecilhos para a nossa própria felicidade.
Se trabalharmos com metas, por
exemplo, a primeira delas seria diminuir esses entraves. Facilitar
objetivamente a própria vida. Pode parecer óbvio, mas não é tão fácil. Dá pra
continuar pensando no futuro, mas é importante começar a identificar o que faz
você feliz hoje. A resposta costuma estar nas coisas mais simples, nos detalhes
cotidianos. Os grandes acontecimentos até ajudam, mas por serem efêmeros, nos
escapam – são mais exceções do que regra.
Quanto a ficarmos comparando a
própria vida com a vida alheia, gosto de uma frase de Millôr Fernandes que diz
“como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos muito bem”. Então
paremos imediatamente de subestimar nossa existência e pintar de dourado a vida
do outro. Ninguém é parâmetro para a nossa felicidade, nem tudo parece ser o que
é. Machado de Assis também já nos ensinava de que “não há alegria pública que
valha uma boa alegria particular”. Desconfie dos risos fáceis, mas acredite na
sua capacidade de sorrir.
Quando a expectativa de ser feliz
é grande, a felicidade se torna quase impossível - seríamos mais felizes se não
nos impuséssemos a necessidade da felicidade suprema. O possível é tentar ser
feliz com o que se tem. Ser feliz não é sua obrigação, mas é de sua
responsabilidade. Aliás, felicidade de verdade sussurra, não grita. O resto é
euforia.