Eis aqui uma lembrança dos dias
que não precisávamos do verbo ou qualquer palavra para nos entender. Nós nos compreendíamos
em silêncio, como costuma ser com as pessoas que se conhecem há algum tempo –
embora minha pouca idade na ocasião. Essa foto é minha única memória desse dia;
e uma das lembranças mais ternas que guardo de nós dois. Deixo-a na gaveta do
criado mudo, ao lado da cama que é onde repousam os sonhos. Prefiro assim: sem molduras, sem o
alcance diário dos olhos para não lastimar a passagem do tempo ou criar esperanças de que você mude. Eu não tenho mais esperança de que você mude, pai. Eu não tenho
mais esperança de que você volte a ser quem você era ou que por um descuido da
vida, consiga ser melhor do que fora um dia. Você fez as suas escolhas. E eu
não tive escolha alguma quanto a isso.
Embora torcesse para que fosse
diferente, eu compreendi a sua limitação e não sei dizer se fui eu mesma que
matei esse herói inventado ou se foi a própria fantasia dele que cometeu
suicídio diante da presença da verdade. Ou quem sabe foi você pai, que a vida
toda avisava por antecipação para que eu me virasse. E eu me virei. Não sei se
você reparou, mas estou prestes a completar 30 anos e talvez pareça pouco pra
você, mas estou me virando esse tempo todo - o que é muito para mim, afinal é o tempo que existo. Eu só não podia
imaginar que essa frase pudesse significar um sobreaviso da sua ausência e
exaustão.
(...)
Amanhã é seu aniversário e dia
dos pais. Embora longe, espero que você tenha um dia bom. Igual esse aí da
foto. Uma das lembranças mais ternas que guardo de nós dois.
Beijos,
Gabi.
Gabi.